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Institucional
Perdemos um grande brasileiro, por Jorge Samek
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29/11/2007

Artigo de Jorge Miguel Samek* publicado na Gazeta do Povo desta quinta-feira (29).

Há homens e mulheres que se destacam pela força da suas idéias, valores e ideais. Há homens e mulheres que conquistam um lugar na história por enxergarem à frente do seu tempo e por realizarem aquilo que para seus contemporâneos parece utópico, megalomaníaco e irrealizável. O embaixador Mário Gibson Barbosa, que morreu na última segunda-feira, aos 89 anos, no Rio de Janeiro, aliou as duas virtudes (idealismo e capacidade de realização), deixando um legado que lhe garante um lugar de destaque na história política brasileira da segunda metade do século XX.   

 

Pernambucano de Olinda, onde nasceu em 13 de março de 1918, ele merece um reconhecimento e um tributo especial dos paranaenses. Afinal, foi neste estado que se materializou a principal obra da sua longa e profícua carreira diplomática: Itaipu Binacional.

  

Ex-embaixador brasileiro no Paraguai, Gibson Barbosa foi um dos principais artífices do Tratado Binacional, que teve a honra de firmar como ministro das Relações Exteriores, em 26 de abril de 1973. Em seu livro autobiográfico, ao analisar as negociações que viabilizariam o maior empreendimento hidrelétrico do mundo, ele afirma categoricamente que acabou prevalecendo a estratégia diplomática e política, já que o Brasil contava com influentes defensores de outras opções energéticas (Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida: Editora Francisco Alves, 2007, 528pp).

  

Em dezembro de 1966, quando assumiu a embaixada brasileira em Assunção, Gibson Barboza foi recebido com hostilidade. Uma disputa de fronteira na região das Sete Quedas, que se arrastava desde o período colonial – à qual se somavam as feridas e os ressentimentos deixados pela infame guerra da Tríplice Aliança – alimentava tensões permanentes entre os dois países. “O impasse era total e intransponível”, escreveria anos mais tarde. Homem de Estado que encarnava os valores humanistas do Instituto Rio Branco, Gibson Barbosa soube conduzir com rara habilidade e sensibilidade as delicadas relações com o Paraguai, contribuindo decisivamente para os entendimentos que culminaram com a assinatura da Ata do Iguaçu, em 22 de junho de 1966.

 

Irredutível na defesa da posição do Estado brasileiro sobre a inviolabilidade dos tratados de fronteira, Gibson Barbosa soube reconhecer que “só o interesse mútuo podia construir um relacionamento firme e duradouro.” Com esta postura, granjeou o respeito e a confiança das autoridades paraguaias, o que se revelaria decisivo para o êxito das negociações que colocaram fim à disputa.

 

A Ata do Iguaçu estabeleceu um conceito fundamental e conciliador: o reconhecimento dos recursos hídricos pertencentes em condomínio aos dois países e o compromisso de aproveitamento conjunto do imenso potencial hidrelétrico do Rio Paraná. Surgia, assim, a idéia de Itaipu. Com a formação do reservatório, a área disputada ficaria submersa, dissipando o litígio. No entanto, restou uma franja de terra de cerca de 1.350 hectares que, de comum acordo, os dois países decidiram transformar no Refúgio Biológico Binacional de Maracaju.

 

Para Gibson Barbosa, Itaipu é fruto de acordos eqüitativos e justos. Ele teve a chance de contemplar em vida a concretização e o sucesso do empreendimento grandioso que ajudou a idealizar. Em 21 de maio deste ano, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Nicanor Duarte Frutos inauguraram as duas últimas unidades geradoras, de um total de 20, elevando a capacidade instalada para 14.000 MW. Hoje, Itaipu responde por cerca de 20% da energia elétrica que abastece o Brasil e por 95% da energia consumida pelo Paraguai.

 

Com justificável orgulho, Gibson Barbosa soube reconhecer a real importância do projeto binacional realizado por brasileiros e paraguaios. São palavras suas: “Sem a energia gerada por Itaipu, não poderia existir o Brasil de hoje.” Para o Paraguai – escreveu – a construção de Itaipu significou uma “extraordinária oportunidade”, pois “via-se subitamente condômino de uma fonte de riqueza extraída de um recurso inesgotável: a água de um grande rio, o Paraná.” Gibson Barbosa sempre reafirmou sua convicção de que o Tratado de Itaipu seria um acordo durável e sólido porque vantajoso e eqüitativo para ambas as partes.

 

A diplomacia brasileira é reconhecida internacionalmente pela independência e profissionalismo. O prestígio que o Brasil alcançou nos últimos anos no cenário internacional, sob a liderança do presidente Lula e do chanceler Celso Amorim, vem coroar o trabalho realizado por várias gerações de diplomatas. Gibson Barbosa pertencia a uma geração brilhante da diplomacia brasileira que soube afirmar a posição independente e soberana do país no difícil contexto da Guerra Fria. Com a sua morte, o Paraná perde um grande brasileiro, um homem que deu uma contribuição decisiva para o desenvolvimento do estado.

 

* Jorge Miguel Samek, engenheiro agrônomo graduado pela UFPR, é diretor-geral brasileiro da Itaipu Binacional.